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CONTRATO DE DISTRIBUIÇÃO: QUESTÕES PRÁTICAS E POLÊMICAS

CONTRATO DE DISTRIBUIÇÃO: QUESTÕES PRÁTICAS E POLÊMICAS

SILVIO DUTRA

O contrato de distribuição é um instrumento jurídico eficiente para o empresário expandir a suas vendas nas mais variadas regiões, o distribuidor tem conhecimento específico para atender os clientes correspondentes ao seu território de atuação, trata-se de uma operação econômica relativamente simples que requer, contudo, investimentos altos para a efetivação do negócio, tais como: contratação de pessoal, publicidade, marketing, locação de galpão espaçoso para abrigar as mercadorias, infra-estrutura adequado para abrigar os produtos, logística e transporte. O distribuidor, por sua vez, é um empresário que, muitas vezes, depende economicamente do fabricante. Com isso, submete-se e aceita a imposição de condições contratuais iníquas para manter a sua atividade empresária.

O objetivo é demonstrar que esta operação econômica decorrente da aquisição contínua de produtos de um determinado fabricante para posterior revenda ainda não foi totalmente disciplinada pelo ordenamento jurídico, razão pela qual a interpretação destas espécies de relações jurídicas deverá ser feita com base nos princípios gerais de direitos e nos usos e costumes.

Palavras-chave: Contrato Atípico, Distribuição Mercantil e Parcerias Comerciais.

ABSTRACT

The distribution agreement is a legal instrument for the efficient entrepreneur expand their sales in various regions, the distributor has expertise to meet customers corresponding to its service territory, it is economical operation that requires relatively simple, yet , high investments for the realization of the business, such as hiring staff, advertising, marketing, leasing warehouse space to house the goods, infrastructure suitable for housing products, logistics and transportation. The distributor in turn, a business owner who often economically dependent on the manufacturer. With it, accepts and submits to the imposition of unfair contractual conditions to maintain their activity businesswoman.

The goal is to demonstrate that this economic operation resulting from the acquisition of continuous product of a particular manufacturer for resale has not been fully disciplined by law, which is why the interpretation of these kinds of legal relations should be based on the general principles of rights and customs.

Keywords: Atypical Contract, Commercial Distribution and Commercial Partnerships.

CONCEITO DE DISTRIBUIÇÃO. CONTRATO ATÍPICO OU TÍPICO?

A importância prática em verificar a tipicidade ou atipicidade de uma determinada relação jurídica é identificar o regime jurídico aplicável à espécie contratual. A distinção entre contratos típicos e atípicos tem origem no direito romano, porém, naquela oportunidade, os contratos eram classificados em nominados e inominados. Esta classificação dos contratos era determinante, isto porque, em vista do formalismo excessivo, apenas aos contratos nominados era conferida a proteção legal..[1]

Com isso, os contratos nominados eram àqueles que gozavam de proteção legal específica, tendo um nome particular, e contratos inominados os que não tinham ação especial para a sua proteção. Com passar do tempo, os contratos nominados tornaram-se insuficientes para prever todas as relações jurídicas. Dessa forma, o formalismo exagerado dos romanos foi sendo deixado de lado, vindo o Direito a acolher a proteção legal específica aos contratos, independentemente de sua nomenclatura.

Atualmente, não faz mais sentido classificar os contratos em nominados e inominados, sendo mais frequente a utilização da terminologia: contratos típicos e contratos atípicos. Os primeiros são os mais comuns, razão pela qual se encontram previstos no Código Civil e na legislação extravagante. Por outro lado, os contratos atípicos não têm uma previsão legal específica. Eles são decorrentes da liberdade de contratar dos particulares e do respeito ao princípio da autonomia da vontade privada, cujo apogeu foi a Revolução Francesa.

A lei não tem condições de prever todos os tipos legais de contratos celebrados pelos agentes econômicos, naturalmente, o legislador apenas disciplina um certo número deles, com base na sua relevância para a sociedade. Os contratos disciplinados pela lei são aqueles socialmente reconhecidos como úteis e merecedores de tutela jurídica, isto não permite concluir que os contratos não disciplinados pela lei estejam desprovidos de tutela, até porque seria impossível estabelecer regras para todas as relações jurídicas. Por óbvio, novos gêneros e novas espécies de contratos, diversos dos correspondentes aos tipos codificados, surgem a cada momento, com o evoluir das condições econômico-sociais, ganhando importância e sendo disciplinados pelo legislador quando necessário.

A possibilidade outorgada ao particular de celebrar um contrato atípico, que goza de proteção legal, é relevante para o fluxo das relações comerciais, caso não isso fosse possível, os agentes econômicos ficariam restritos apenas aos contratos tipificados.

Isto posto, o contrato atípico não é aquele sem um nome específico, mas, sim, o que não está particularmente disciplinado pela lei, isto porque, muitas vezes, o contrato tem nome, todavia, não se encontra devidamente regulamentado em lei.

A identificação de um contrato como típico ou atípico deve ser feita com base na operação econômica subjacente ao contrato. O tipo contratual corresponde a um gênero de operação econômica que pode, ou não, estar previsto em lei. O contrato de compra e venda correspondente à operação econômica de troca entre a propriedade de uma coisa em contrapartida a uma soma em dinheiro. Com isso, se a operação econômica – em outros termos, a causa do contrato – estiver disciplinada pelo ordenamento jurídica, o contrato será um contrato típico, caso contrário, o contrato será atípico.

O interprete ao analisar a tipicidade de um contrato não deve se ater ao seu nome, mas sim, a operação econômica que deu origem ao contrato, isto porque, o contrato instrumentaliza uma “operação econômica”, ele é feito no mundo dos fatos e reflete uma realidade social. As partes, ao entabularem um determinado contrato, não procuram em qual tipo legal a negociação se enquadra. Nesse sentido, cita-se a lição de Paula A. Forgioni[2]:

As partes, quando negociam e contratam, não tomam confortavelmente assento diante de um código e escolhem, entre fórmulas pré-existentes [i.e. tipificadas], aquela que mais lhes apraz. Os contratos empresariais nascem da prática dos comerciantes e raramente de tipos normativos preconcebidos por autoridades exógenas ao mercado.

Com base nas premissas supracitadas, pode-se concluir que, o contrato distribuição é um contrato atípico, pois, a operação econômica instrumentalizada por esta espécie de contrato não se encontra disciplinada pelo ordenamento jurídico.

O contrato de distribuição é reconhecidamente um contrato de colaboração, sendo utilizado em grande escala pelos empresários para o escoamento de suas mercadorias. A formação de parcerias comerciais viabiliza aos empresários vender produtos para consumidores que, sem a parceria comercial, não seria possível, por isso, não sem razão, Fábio Ulhoa Coelho denomina algumas parcerias comerciais como contratos de colaboração, pois, nesta espécie de contrato existe uma colaboração mútua das partes contratantes para a consolidação e o crescimento das vendas de um determinado produto ou serviço. De acordo ainda com Fábio Ulhoa Coelho, estes contratos se caracterizam quando “um dos empresários assume a obrigação contratual de ajudar a formação ou ampliação do mercado consumidor do produto fabricado ou comercializado pelo outro”. [3]

O fato é que o contrato de colaboração trata-se de instrumento jurídico necessário para reduzir os custos do empresário no escoamento das mercadorias, proporcionando a expansão da rede de produtos e serviços em diferentes zonas geográficas e o contrato de distribuição inserido dentro destas espécies de contrato.

A distribuição mercantil de produtos é o contrato pelo qual uma das partes (o distribuidor) adquire com habitualidade os produtos fabricados por outra (o fabricante), com a obrigação de revendê-los em um determinado território; na prática mercantil, o escoamento de mercadorias, por intermédio do distribuidor, é conhecido como venda indireta, pois, o produto não é adquirido diretamente do fabricante, mas sim, de um intermediário (“o distribuidor”), vide quadro abaixo:

FABRICANTE

ADQUIRENTE

DISTRIBUIDOR

  Compra e Venda                                   Compra e Venda

Paula A.Forgioni[4] conceitua o contrato de distribuição da seguinte forma: “contrato bilateral, sinalagmático, pelo qual um agente econômico (fornecedor) obriga-se ao fornecimento de certos bens ou serviços a outro agente econômico (distribuidor), para que este os revenda, tendo como proveito econômico a diferença entre o preço de aquisição e o preço de revenda e assumindo à satisfação de exigências do sistema de distribuição do qual participa”

De plano, nota-se que a definição de distribuição dita acima não corresponde com a definição de distribuição estabelecida pelo art. 710 do Código Civil[5]. A operação econômica de compra e revenda de produtos descrita acima é distinta da operação definida pelo artigo 710 do Código Civil.

Antes mesmo do advento do Código Civil, a praxe comercial já se utilizava desta espécie de instrumento jurídico para regular a relação jurídica entre o distribuidor e o fabricante, caracterizada como a compra e venda mercantil realizada de forma contínua e sucessiva, com o propósito de revenda, por parte do distribuidor, numa determinada área demarcada, ficando este último com as vantagens pecuniárias obtidas entre a diferença do preço de compra e o preço de revenda, não era novidade no meio empresarial.

O requisito essencial do contrato de distribuição é a transferência de propriedade do bem, sendo isto determinante para sua a diferenciação de outras espécies de contratos empresariais, de maneira inversa, a distribuição disciplinada pelo Código Civil não prevê a transferência de propriedade do produto, além disso, o distribuidor não recebe retribuição pelos negócios por ele agendados, o lucro do distribuidor advém da revenda do produto. Logo, a definição de distribuição trazida pelo Código Civil não é apropriada, exatamente por não refletir a realidade social e empresarial dos contratos de distribuição.

Para diferenciar o contrato de distribuição regido pelo Código Civil, Fábio Ulhoa Coelho[6] utiliza o termo Distribuição-aproximação, quando se refere à distribuição disciplinada pelo Código Civil, e o termo Distribuição – intermediação, quando trata do contrato de distribuição, onde há o negócio jurídico de compra e venda mercantil entre o fabricante e o distribuidor, com o propósito de revenda da mercadoria. Segundo ele ainda, a opção do legislador de 2002 foi muito infeliz. Na prática empresarial de há muito assentada, “distribuição” é o nome do contrato de colaboração por intermediação, em que a compra e venda de mercadorias entre os contratantes é um ingrediente necessário. O contrato em que o colaborador procura interessados em adquirir os produtos de outrem, que traz consigo, simplesmente não existe nos tempos que correm.

Já a Paula A. Forgini trata a distribuição regida pelo Código Civil, como sendo uma espécie de contrato de agência, denominando-o como Agência – Distribuição, quando o agenciador tem a posse do bem, e a Agência – Pura, quando o agenciador não tem a posse do bem.

Apesar de não estar em vigor, o projeto do Novo Código Comercial, no seu art. 385[7], irá corrigir o equivoco do Código Civil, vindo a definir o contrato de distribuição da seguinte forma: “A distribuição é contrato de colaboração empresarial por intermediação, em que o colaborador (distribuidor) comercializa produtos fabricados pelo fornecedor (distribuído).”  Esta definição irá corresponder melhor com o espírito do contrato de distribuição utilizado pelos empresários, mas, por enquanto, não se pode utilizar do referido dispositivo para tornar o contrato de distribuição típico.

O fato é que o Contrato de Distribuição conhecido no meio empresarial instrumentaliza a operação econômica decorrente da aquisição periódica de determinados produtos, com o compromisso de revendê-los, em um dado território, permanece atípico, ainda que a Lei Ferrari tenha disciplinado o instituto no segmento de veículos automotores e terrestre, isto porque, a Lei Ferrari não pode ser aplicada a todos os contratos de concessão de forma indistinta, posto que, a Lei é específica e trata apenas de um determinado segmento (“distribuição de veículos automotores e terrestres”), com peculiaridades que salvo melhor juízo, muitas das vezes não podem ser estendidas a outros seguimentos.

A outra característica do contrato de distribuição é a aglutinação de outras espécies de contrato (Locação; Prestação de Serviços, etc), no mesmo documento, por este motivo, se diz tratar-se de um contrato misto.

De maneira despretensiosa propõe-se definir o contrato de distribuição como o contrato de colaboração misto e atípico, onde o distribuidor se obriga a adquirir de forma contínua e sucessiva um produto para revendê-lo, em uma zona geográfica.

ELEMENTOS DO CONTRATO DE DISTRIBUIÇÃO.

Os contratos de distribuição possuem características que as diferenciam de outras espécies de contratos, sendo algumas delas essenciais e outras acessórias, estas últimas podendo ou não estar inseridas no contrato:

O distribuidor é um empresário que negocia o bem profissionalmente em caráter não eventual – esta é uma cláusula essencial do contrato de distribuição, pois, se não houver o caráter habitual, a relação jurídica transforma-se em um contrato de compra e venda mercantil específico, por esta razão, o trato sucessivo e perene é um requisito essencial do contrato de distribuição;

A aquisição do produto pelo distribuidor é efetuada para a revenda do mesmo – o principal objetivo do contrato de distribuição é proporcionar o escoamento da mercadoria e o crescimento da identificação da marca, junto aos consumidores, através de um sistema de distribuição integrado com a política de vendas do consumidor. Caso contrário, se o adquirente do produto utiliza a mercadoria em proveito próprio, seja como insumo ou matéria prima de sua linha de produção, o contrato de distribuição está descaracterizado e o contrato em questão passaria a ser um contrato de fornecimento ao invés de um contrato de distribuição, por tais fundamentos o dever de revender o produto adquirido pelo distribuidor tornar-se essencial no contrato de distribuição;

Ao Distribuidor é assegurado um monopólio de revenda, em uma determinada zona territorial – Geralmente, as partes contratantes estabelecem uma região em que o distribuidor terá exclusividade para a comercialização dos produtos adquiridos pelo fabricante, com relação a esta cláusula, entendemos não ser ela essencial ao contrato, mas apenas acessória. Por óbvio, o empresário que pretende tornar-se um distribuidor de uma determinada mercadoria, deve negociar com o fabricante dessa mercadoria o direito a exclusividade, em determinado território, caso contrário, o sucesso do negócio e o próprio lucro ficaram seriamente comprometidos, diante da própria concorrência que pode ser empreendida pelo fabricante ou outros distribuidores.

O distribuidor assegura a exclusividade ao Fabricante – assim como, a exclusividade territorial concedida pelo Fabricante ao Distribuidor, a exclusividade do Distribuidor ao Fabricante, também, é uma cláusula acessória ao contrato de distribuição, a sua ausência não descaracteriza esta espécie de contrato. A exclusividade concedida ao Fabricante existe, geralmente, para evitar o conflito de interesses das marcas distribuídas pelo Distribuidor, haja vista que, se o distribuidor faz a distribuição de 02 (duas) marcas concorrentes, em algumas oportunidades, poderá haver o privilégio de uma delas em detrimento de outra, por este motivo, é recomendável a existência deste tipo de cláusula de exclusividade.

Garantia Hipotecária ou Fidejussória concedida ao Fabricante – Em determinados contratos de distribuição, o fabricante concede ao distribuidor um determinado crédito para que ele possa adquirir as mercadorias e pagá-lo, quando conseguir revender estas mercadorias, como contra-partida deste crédito concedido pelo fabricante, o distribuidor oferece ao fabricante uma garantia de pagamento. Este tipo de cláusula depende da forma como desenvolverá a relação entre o distribuidor e fornecedor, exatamente, por isso, trata-se de uma cláusula acessória ao contrato de distribuição;

Controle Externo sobre o distribuidor e suas atividades – diante do fato de que, em última análise, é o distribuidor responsável pela imagem da marca do fabricante, junto aos consumidores, uma vez que o distribuidor é a última linha que liga o consumidor ao produto, tornar-se fundamental o fabricante precaver-se para que a imagem do seu produto não seja deturpada pelo distribuidor, zelando com relação ao transporte da mercadoria, ao preço de revenda, entre outros fatores. Em razão das variadas formas que podem suceder-se este controle externo, não se pode infirmar tratar de uma cláusula essencial, mas sim, acessória ao contrato de distribuição, até mesmo porque, a sua ausência não descaracteriza a distribuição mercantil.

DISTINÇÃO DO CONTRATO DE DISTRIBUIÇÃO E OUTRAS ESPÉCIES DE CONTRATOS EMPRESARIAIS.

Após a definição do Contrato de Distribuição e os apontamentos das suas características essenciais e acessórias, pode-se fazer um breve comentário da distinção do contrato de distribuição e outras figuras jurídicas, inclusive, para separá-lo de outros contratos que com ele guardam alguma semelhança:

Contrato de Concessão x Distribuição Mercantil.

Alguns autores, como Orlando Gomes[8], não diferenciam o Contrato de Concessão do Contrato de Distribuição, na mesma esteira, Paula A.Forgioni perfilha o entendimento de não haver diferença entre o contrato de Distribuição e o Contrato de Concessão, referindo-se da mesma maneira, quando trata o distribuidor/concessionário e o concedente/produtor.

Com opinião diversa, Fábio Ulhoa Coelho[9] entende haver diferença em razão de certa variância do grau de subordinação da empresa do colaborador em relação à do fornecedor. No contrato de distribuição – intermediação, o distribuído tem menos ingerência sobre a organização empresarial do distribuidor que o concedente, na concessão, além do fato de que na concessão há prestação de serviços, enquanto, na distribuição, não há prestação de serviços técnicos, igualmente, distinguindo, o contrato de concessão do contrato de distribuição, a jurista Maria Helena Diniz considera que diante do caráter intuitu personae do contrato de concessão, este não pode ser comparado ao contrato de distribuição, o qual não possui esta característica. Este entendimento também é seguido por Claudinei de Melo[10].

Na doutrina e jurisprudência, não há entendimento pacífico: (i) sobre a efetiva existência de diferença entre o contrato de distribuição e o de concessão mercantil; e, (ii) quais são as diferenças entre a distribuição e a concessão. A diferenciação é a metodologia utilizada para proceder ao correto enquadramento de um determinado instituto, a fim de se verificar os princípios, as leis e as peculiaridades aplicáveis ao instituto analisado, isto é, com o propósito de interpretar as relações jurídicas derivadas das respectivas espécies de contratos, procede-se a diferenciação.

Logo, para tornar-se relevante a diferenciação entre o contrato de concessão mercantil e o contrato de distribuição, ambas as espécies de contrato devem ter características próprias bem definidas, uma legislação específica e princípios jurídicos diversos, caso contrário, fazer a diferença destes contratos seria apenas retórica.

Levando-se em consideração a premissa supracitada, não há relevância prática de efetuar a diferença entre o contrato de distribuição e o contrato de concessão mercantil, muito pelo contrário, eles devem ser tratados de forma idêntica, pelos seguintes motivos: (i) ambos são atípicos; (ii) as duas “espécies” tratam-se de contratos de colaboração; (iii) os princípios contratuais aplicáveis são os mesmos; (iv) as características são similares (p.ex: obrigação de adquirir o produto, de forma não eventual, e revendê-lo, em uma determinada zona geográfica).

O argumento utilizado por alguns juristas de que o contrato de distribuição é diferente do contrato de concessão, pois, no primeiro haveria um maior grau de interferência da concedente na atividade mercantil do concessionário, nem sempre reflete a realidade, eis que em muitas vezes os contratos de distribuição está repleto de cláusulas de ingerência do fabricante na atividade do distribuidor, chegando-se em alguns pontos, inclusive, a ser arbitrado e/ou sugerido o valor do preço que o distribuidor deverá praticar na revenda do produto, pelo exemplo dado, observa-se que o fabricante interfere sobremaneira na atividade do distribuidor.  O outro argumento consistente na presença do caráter intuitu personae dos contratos de concessão mercantil, igualmente, deve ser repelida, porque, nem todos os contratos de concessão mercantil possuem esta característica, por esta razão, o caráter intuitu personae não pode ser determinante para a diferenciação da distribuição e da concessão mercantil.

Na verdade, há mais semelhanças entre os contratos de concessão e de distribuição do que diferenças, sem contar o fato de que, na prática, as diferenças nem sempre suficientes para tratar estas espécies de contratos de maneira distinta.

A própria lei Ferrari (art. 2º, inc II) não faz diferença entre concessionário e distribuidor o que pressupõe que o legislador não pretendeu fazer a distinção entre os contratos de distribuição e concessão mercantil.

Por outro lado, o novo projeto do Código Comercial diferencia o contrato de distribuição do contrato de concessão mercantil pelo fato deste último ter prestação de serviços de assistência técnica; verifica-se, portanto, que o projeto do Código Comercial adota a posição de Fábio Ulhoa Coelho[11] para quem nos contratos de concessão mercantil geralmente há a prestação de assistência técnica pelo concessionário.

De fato, a existência da prestação de serviços de assistência técnica pode ser um aspecto determinante para diferenciar o contrato de distribuição do contrato de concessão mercantil, porém, ainda assim, as semelhanças ainda serão maiores do que as diferenças, razão pela qual, enquanto, não for aprovado o novo Código Comercial e, até que, a jurisprudência e a doutrina não apontem de forma definitiva as diferenças de ambos os contratos, preferimos não diferenciá-los, seguindo, dessa maneira, a posição de Orlando Gomes[12] e Paula A. Forgioni, para quem não há diferença entre o contrato de concessão e o contrato de distribuição mercantil.

Contrato de compra e venda x distribuição de produtos

Em última instância, o contrato de distribuição não deixa de ser um contrato de compra e venda mercantil, mas uma compra e venda diferenciada, em função do caráter sucessivo das relações mantidas entre o distribuidor e o fabricante. Conforme a definição alhures de contrato de distribuição[13]; observa-se que a distribuição apesar de possuir características próprias, ela acoberta outras espécies de contratos empresarias, entre os quais: a compra e venda mercantil.

O fato de haver continuidade nas relações jurídicas torna o contrato de distribuição distinto da compra e venda simples, daí a razão de falar-se em compra e venda diferenciada, onde há a transferência da propriedade do bem – do produtor/fabricante para o distribuído.

Porém, ao contrário da compra e venda que não coloca qualquer tipo de restrição no uso do bem adquirido, o contrato de distribuição necessariamente estabelece que o objeto do contrato de compra e venda deve necessariamente ser revendido; ainda que o distribuidor tenha todos os poderes inerentes à propriedade sobre o bem que é adquirido, junto ao produtor ou fabricante, este bem não pode ser livremente disposto pelo seu proprietário, ou melhor, pelo distribuidor.

A atividade empresária do distribuidor é revender o produto adquirido do fabricante, por isso, o bem acaba sendo elemento fundamental do exercício da atividade do distribuidor, se não houver a revenda, o distribuidor não cumpri com o seu objetivo social.

O caráter sucessivo da relação jurídico e o dever de revender o produto adquirido do fabricante diferenciam o contrato de compra e venda do contrato de distribuição.

Contrato de fornecimento x distribuição de produtos

Assim como o contrato de distribuição, o contrato de fornecimento é pautado por relação jurídica de compra e venda diferenciada de caráter sucessivo e, da mesma forma que a distribuição mercantil, o contrato de fornecimento possui – não necessariamente, mas, geralmente – a obrigação de aquisição de uma determinada quantidade de produtos, dentro de certo período tempo, a cada 30 dias, ou quinzenalmente, etc.

O fato determinante de distinção entre estas 02 (duas) figuras jurídicas está no poder de disposição da mercadoria adquirida; no contrato de fornecimento, o adquirente pode livremente dispor da mercadoria, prioritariamente, com a finalidade de utilizá-la como insumo ou matéria prima no processo de industrialização; por outro lado, no contrato de distribuição, o adquirente da mercadoria sofre restrição do poder de disposição da mercadoria.

Para Rubens Requião[14], “o fornecimento serve para satisfazer necessidades próprias do comprador, ao passo que a compra e venda com exclusividade visa fornecer ao concessionário produto para revender ou para dar em locação”. Segue ainda dizendo que “A diferença é flagrante, pois no contrato de fornecimento as prestações executam periodicamente, pela tradição contínua de coisas, ao passo que no contrato de concessão comercial, o concedente e o concessionário se obrigam a diferentes prestações, muito mais do que o simples pagamento do preço e da tradição periódica de coisas.”

Com razão Rubens Requião, eis que no contrato de distribuição, o distribuidor tem como objetivo ampliar o mercado do fabricante, em um determinado território, para tanto, a ligação comercial entre o distribuidor e o fabricante é bem mais intensa, com cláusulas mais rígidas, quanto ao fim da mercadoria adquirida, fatos estes que não se verificam no contrato de fornecimento.

Contrato de representação comercial x distribuição de produtos

Em função da similaridade entre o Contrato de Representação Comercial (Lei 4.886/65) e o Contrato de Agência (Art. 710 e seguintes do Código Civil), amplamente debatida entre os doutrinadores, com o reconhecimento, inclusive, por alguns, de que se referem a figuras jurídicas idênticas; todas as diferenças apontadas entre a distribuição mercantil e o contrato de representação comercial, aplicam-se igualmente aos contratos de agência.

A representação comercial é o contrato de colaboração pelo qual o Representante se obriga a fazer a mediação de negócios mercantis em proveito do Representado, em caráter não eventual, tendo como objetivo o escoamento das mercadorias produzidas pelo Representado.

Ou seja, na representação comercial o dever do representante é apenas fazer a aproximação entre o Representado e seus clientes. Com isso, a mercadoria não é sua propriedade, ao contrário do contrato de distribuição, por este motivo, se o cliente o qual adquiriu a mercadoria deixa de honrar com o pagamento da mercadoria, o Representante não sofre o ônus da inadimplência, o seu único eventual prejuízo seria deixar receber a comissão pela venda não concluída[15].

 No contrato de distribuição pelo fato da mercadoria pertencer ao distribuidor e não ao fabricante, o ônus da inadimplência pertence ao Distribuidor.

Por fim, acrescente-se ainda que o regime jurídico relativo a extinção do contrato de distribuição e o contrato de representação são completamente distintos, apenas como exemplo: cita-se a indenização do art. 27, “J”, da Lei 4886/65, que estabelece o dever do Representado de pagar um 1/12 (um doze avos) sobre o total da comissão auferida pelo Representante, em caso de rescisão sem justo motivo, por parte do Representado.

NORMAS JURÍDICAS APLICÁVEIS AO CONTRATO DE DISTRIBUIÇÃO.

Tendo como pressuposto o fato de que, em nossa concepção, o contrato de distribuição é atípico, as regras do código civil (art. 710 e seguintes) não podem ser aplicadas aos contratos de distribuição, na medida em que elas forem incompatíveis com esta espécie de contrato, se não houver nenhuma incompatibilidade, em função da teoria da interpretação por analogia, as regras ali estabelecidas podem ser aplicadas aos Contratos de Distribuição.

A liberdade de contratar consagrada pelo princípio da autonomia da vontade privada não é ilimitada. As partes podem livremente escolher o tipo de operação econômica a qual pretendem instrumentalizar através do contrato, bem como, as obrigações e direitos que irão fazer parte integrante do regulamento contratual, vinculando uma parte à outra, desde que sejam obedecidas às normas de ordem pública e os usos e costumes.

O ordenamento jurídico reserva-se um poder geral de controle sobre as operações contratuais realizadas pelos sujeitos privados, impondo limites à liberdade de contratar, através do respeito às normas gerais de direito.

Enzo Roppo[16] conceitua ordem pública como o complexo dos princípios e dos valores que informam a organização política e econômica da sociedade, numa certa faze da sua evolução histórica, e que, por isso, devem considerar-se imanentes no ordenamento jurídico que vigora para aquela sociedade, naquela fase histórica. Segundo ele, as normas imperativas refletem, na específica e circunscrita matéria a que dirige as suas previsões analíticas, princípios de ordem pública. Os princípios jurídicos e as leis proibitivas ou imperativas são as normas que mais se aproximam do conceito de ordem pública.

Com isso, a liberdade de contratar tem o seu limite nos princípios jurídicos e nas leis proibitivas ou imperativas. Nesse sentido, os contratos de distribuição atípicos devem respeitar os princípios jurídicos aplicáveis aos contratos, especialmente, os contratos empresariais.

De acordo com os ensinamentos de Ascarelli[17], um direito especial nasce em função da peculiaridade de seus princípios jurídicos e não da especialidade da matéria tratada. Nesse aspecto, o direito empresarial possui princípios próprios não aplicáveis a outras espécies de contrato, exatamente, pelo fato de haver 02 (duas) partes opostas, com conhecimento técnico necessário para o exercício da atividade empresária.

Os princípios jurídicos aplicados aos contratos empresários são distintos dos princípios aplicáveis às pessoas naturais, especialmente, na maneira de interpretá-los; entre os princípios contratuais aplicáveis aos contratos de distribuição[18], cita-se:

autonomia da vontade;

plena vinculação dos contratantes ao contrato;

proteção do contratante economicamente mais fraco nas relações contratuais assimétricas;

reconhecimento dos usos e costumes do comércio; e

boa fé objetiva e função social do contrato.

Nota-se que os princípios aplicáveis ao contrato de distribuição em nada se distinguem dos princípios presentes nos demais contratos inter empresários, contudo, não se podem deixar de lado as peculiaridades relacionadas à distribuição.

4.1. Princípio da Autonomia da Vontade

O nosso ordenamento jurídica estabelece que ninguém está obrigado a fazer ou deixar de fazer, senão em virtude de lei[19].  Diante desta premissa, a parte que se vinculou a outra, por meio de um contrato empresarial, o fez porque assim o quis, caso não houvesse intenção de se comprometer, não haveria obrigatoriedade de vincular-se e obrigar-se perante terceiro.

No direito empresarial, o empresário vincula-se a outro por meio de um contrato a outro empresário para obter uma vantagem competitiva que irá colocá-los em uma posição mais vantajosa daquela em que se encontram, isto é, de acordo com Chiovenda: “Le parti non stipulano contratti per il piacere di scambiarsi dichiarazioni di volontá; ma in vista di certe finalità pel conseguimento delle quali entrano reciprocamente in rapporto” (Istituzioni di diritto processuale civile. Napoli: Jovene, 1933, v.1.p.188)

Para Tereza Ancona Lopez[20]: “O contrato, como negócio jurídico, é, portanto, ato de autonomia privada apto a criar regras de conduta (dever-ser) que recepcionadas pelo ordenamento jurídico geram efeitos para os seus participantes. O contrato é o instrumento de autonomia privada”

A declaração de vontade não pode ser deturpada, sob pena de não gerar os efeitos jurídicos para o qual ela se destina; nos contratos de distribuição, em determinadas circunstâncias, especialmente, quando há dependência econômica, a vontade do distribuidor não traduz a sua “real intenção”, diante da inviabilidade de recusar determinadas disposições contratuais propostas pelo fabricante, pois, se as disposições contratuais “sugeridas” pelo fabricante não forem aceitas, o negócio não será concluído e este ato poderá implicar o declínio e, até mesmo, o término de sua atividade empresarial, em vista da dependência econômica do distribuidor, daí a razão pela qual, em determinadas circunstâncias não ser verifica, por parte do distribuidor, o pleno exercício de sua vontade.

Esta dependência econômica do distribuidor em relação ao fabricante, ou, vice-versa, não pode ser desconsiderada na análise do contrato de distribuição, pois, nem sempre, estar-se-á diante de uma relação contratual, onde houve o respeito efetivo a este princípio.

4.2. Princípio da Plena Vinculação das Partes Contratantes

O Princípio do pacta sunt servanta está diretamente relacionado com o princípio da autonomia privada, pois, uma vez manifestado o interesse em vincular-se a outra parte, por meio de um contrato, em razão do exercício que cada pessoa detém de livremente obrigar-se perante terceiros, mostra-se racional e necessário para a preservação do mercado que este contrato seja cumprido em sua integra.

As partes são livres, em linha de princípio, de fixar como desejam se obrigar e se comprometerem uma em relação à outra, cada parte é livre para estipular os termos da troca dos seus contratos. O ordenamento jurídico intervém só para controlar o quadro externo das circunstâncias, dentro das quais as opções e decisões vinculantes foram tomadas, reagindo apenas nas hipóteses em que houve uma grave perturbação da declaração de vontade (erro, dolo, lesão, coação, estado de perigo e os vícios sociais).

Desta maneira, o ordenamento não tutela a intrínseca justiça da troca contratual, fazendo apenas uma correção formal do quadro externo, quando presentes os desvio grave da declaração de vontade. Sendo assim, as partes contratantes vinculam-se entre si com as decisões e obrigações contratuais.

4.3. Proteção do contratante economicamente mais fraco nas relações contratuais assimétricas.

Em última instância, o princípio da proteção do pólo mais fraco da relação jurídica visa coibir o exercício abusivo do poder econômico, este princípio opera um limite aos poderes das partes, evitando-se, dessa forma, o abuso de poder (art. 187), impondo uma condição não arbitrária das permissões conferidas aos particulares, reduzindo a margem de discricionariedade da atuação privada, isto é, trata-se de deveres de agir com moderação no exercício de direitos.  Ou seja, trata-se de uma norma de comportamento que evita o exercício abusivo da parte economicamente mais forte em detrimento da parte mais fraca.

No contrato de distribuição, na grande parte das relações, a parte economicamente mais fraca é o Distribuidor, mas, isto não é uma regra, existem distribuidores de grande porte, muitas vezes, com poder econômico superior ao dos fabricantes ou produtores.

O princípio em comento aplica-se, no contrato de distribuição, tanto ao distribuidor, quanto ao fabricante/produtor, basta haver o exercício abusivo do poder econômico do mais forte em relação ao mais fraco.

Por fim, deve-se que o princípio da proteção da parte economicamente mais fraca tem uma função interpretativa e integradora ao Contrato, não podendo interferir diretamente no conteúdo das cláusulas contratuais.

Reconhecimento dos usos e costumes do comércio;

No ato da contratação, uma parte tem a legítima expectativa de que a outra comportar-se-á de determina forma relacionada à repetição. Daí que ambos empresários planejam a sua jogada e efetivamente se comportem de acordo com esse padrão “de mercado”. Entretanto, não é desejável que seja dada ao contrato uma interpretação daquela que pressupõe o comportamento normalmente adotado (usos e costumes)[21].

Essa expectativa é referida pelo Professor Tércio Sampaio Ferraz Júnior[22] como sendo uma expectativa cognitiva: “o que se espera de um determinado agente, em uma determinada situação, cuja durabilidade é garantida pela generalização de possibilidades, por meio de observação – a regra cognitiva se adapta aos fatos – que descrevem a normalidade do comportamento e nos permitem a controlar a contingência dos sistemas sociais (a ciência como instrumento de previsão)”.

Este princípio ressalta a importância dos empresários seguirem certa racionalidade baseada no empirismo das relações empresárias, tendo como função primordial possibilitar o empresário fazer os cálculos e os riscos da decisão que lhe seja mais conveniente naquele momento.

Boa fé objetiva e função social do contrato.

O contrato empresarial tem a função de possibilitar o fluxo das relações de mercado, esta é a função social do contrato empresarial que não pode confundir-se com a função social de outras espécies de contratos não empresariais, esta função tem duplo caráter: (i) visa restringir o uso abusivo do direito pela outra parte; (ii) proporcionar um segurança social nas relações jurídicas entre empresários.

Por outro lado, o princípio da boa fé objetiva é o comportamento leal decorrente do dever de agir de comportar-se, segundo os usos e costumes, isto é, trata-se de uma regra de conduta com caráter objetivo, por isto, independe de culpa (negligência, imperícia e imprudência) ou dolo, igualmente, não se pode esquecer, a confiança como conseqüência e/ou característica relevante da boa fé objetiva.

A confiança ocupa papel central no moderno direito das obrigações e sua importância para o desenvolvimento do sistema é cada vez premente. Em linhas gerais, a boa fé objetiva trata-se do dever de agir com lealdade fruto de uma regra de conduta reconhecida como referência pelos membros de uma determinada sociedade, em dado momento histórico, referência esta que diz respeito aos padrões sociais vigentes.

Os princípios da boa-fé objetivo e da função social do contrato devem ser aplicados a todas as espécies de contratos, não existindo, portanto, uma peculiaridade relevante, nos contratos de distribuição, que se possa destacar.

RESILIÇÃO UNILATERAL DO CONTRATO DE DISTRIBUIÇÃO.

O instituto da distribuição mercantil é o centro convergente de algumas polêmicas e situações que lhes são peculiares, sob o ponto de vista de que, trata-se de um contrato de colaboração o qual visa à constituição ou ampliação de um mercado que será usufruído e aproveitado por duas pessoas – o distribuidor e o fabricante – com interesses que nem sempre serão os mesmos.

Acrescente-se a isto, também, o fato de o distribuidor, muitas das vezes, estar numa situação de dependência econômica e financeira frente ao fabricante, aspecto este que não pode deixar de ser levado em consideração, especialmente, quanto se trata do término da relação jurídica, isto porque, tendo o distribuidor feito investimento para execução do contrato, o decurso do prazo suficiente para o retorno dos investimentos torna-se imprescindível para o término do contrato (§único, do art. 473, do CC). Neste caso, a legislação permite a extensão do contrato de distribuição, ainda que as partes tenham estabelecido a possibilidade de por fim ao contrato, a qualquer momento. O dispositivo em referência visa proporcionar um equilíbrio contratual entre as partes contratantes e atinge o conteúdo interno das disposições contratuais para preservar a equidade da relação contratual.

Segundo Orlando Gomes,[23] o fundamento da faculdade de resilir varia conforme a modalidade do contrato. Na resilição unilateral dos contratos por prazo indeterminado, presume a lei que as partes não quiseram se obrigar perpetuamente e, portanto, reservaram o direito de a qualquer momento desfazerem a avença. Contudo, a fim de reequilibrar as posições contratuais e evitar o enriquecimento injustificado de uma parte em detrimento de outra que se encontra em uma posição econômica mais frágil, o direito interfere no conteúdo do contrato interno do contrato, esta é uma das poucas hipóteses em que o conteúdo pode ser alterado pelo juiz.

Nesse sentido, segue adiante decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo que não estendeu o prazo do término da relação jurídica, mas, arbitrou um valor de indenização, em função da rescisão abrupta do contrato, o que indiretamente é uma intervenção sobre o conteúdo do contrato, in verbis:

Responsabilidade Civil – Contrato de distribuição – Ruptura imotivada – Direito da autora ao recebimento de verbas relativas aos lucros cessantes, fundo de comércio, rescisões dos contratos de trabalho de seus funcionários e danos morais – Apelação das rés desprovida e provida parcialmente a da requerente, apenas para majorar o valor relativo aos lucros cessantes – Decisão parcialmente reformada.

APELAÇÃO N° 992.07.009888-2,

Relator Des. Ademir Benedito.

Data de Julgamento: 16.03.2011.

21ª Câmara de Direito Privado do TJ/SP.

Proc. 0026415-83.2001.8.26.0002

Nota-se que o dispositivo legal em comento não específica o conceito de investimento, trata-se de cláusula aberta que deve ser analisada no caso concreto, porém, considerar apenas os bens materiais como investimentos, parece não ser razoável, além dos bens materiais, outras verbas, também, devem ser consideradas como investimento, especialmente, os gastos com publicidade e as despesas extraordinárias.

A produção dos efeitos da resilição unilateral fica condicionada ao decurso de prazo suficiente para o retorno dos investimentos. De acordo com Ruy Rosado Aguiar Júnior,[24] a regra do parágrafo único do art. 473 do CC tem como pressupostos:

Que a natureza do contrato justifique investimentos consideráveis.

Os investimentos devem ser na proporção do negócio que ficaria descoberto com a extinção do contrato por iniciativa do notificante.

A eficácia da denúncia unilateral dependerá do transcurso de um prazo. A definição deste tempo está em direta relação com a ideia de que, durante a dilação, o notificado terá condição de recuperar os investimentos feitos.

A natureza e o vulto dos investimentos.

O prazo compatível com base na receita que o notificado poderá obter no período de graça, após o que se terá o contrato extinto.

O prazo não pode ser de tal ordem que torne ineficaz a iniciativa do proponente, eliminando o seu direito.

A questão envolvendo o término de qualquer espécie de contrato é bastante tormentosa, pois, é justamente no momento de encerramento da relação jurídica que vão se encontrar as principais controvérsias. Em vista da ausência de uma legislação específica que trate sobre os contratos de distribuição, a sua interpretação deve ter como base as disposições contidas no instrumento particular firmado entre as partes – primazia da fonte negocial – em consonância com os princípios gerais de direito referidos acima.

A vinculação das partes contratantes aos termos do contrato, somente, pode ser afastada, em casos excepcionais como na hipótese do §único, do art. 473, do CC, por este motivo, a aplicação dessa regra deve ser feita em situações restritas, onde fique caracterizada a devida comprovação dos danos e dos investimentos eventualmente suportados por uma parte que tenha trazido benefício para outra, caso contrário, a intervenção torna-se ilícita, prejudicando sobremaneira as “regras do jogo” as quais as partes se vincularam, através da declaração livre da manifestação da vontade.

REFERÊNCIAS.

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DINIZ, Maria Helena. Tratado teórico e prático dos contratos, v. 3. 6. ed., rev., ampl. e atual. de acordo com o novo código civil (lei n. 10.406, de 10-1-2002), o projeto de lei n. 6.960/2002 e a lei n. 11.101/2005. São Paulo: Saraiva, 2006.

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ROPPO, Enzo. O contrato. Tradução Ana Coimbra; M. Januário C. Gomes. Coimbra: Almedina, 1947.

[1] AZEVEDO, Álvaro Vilaça. Op. cit., p. 122.

[2] FORGIONI, Paula Andrea. Teoria geral dos contratos empresariais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 65.

[3] COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Vol. 3. 11ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 94.

[4] Ob.Cit. Pág. 116.

[5] Art. 710. Pelo contrato de agência, uma pessoa assume, em caráter não eventual e sem vínculos de dependência, a obrigação de promover, à conta de outra, mediante retribuição, a realização de certos negócios, em zona determinada, caracterizando-se a distribuição quando o agente tiver à sua disposição a coisa a ser negociada.

[6] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, vol. 3,. 11ed. P.144.

[7] Projeto de Lei Federal n° 1057/2010.

[8] GOMES, Orlando. Contratos… P. 374.

[9] COELHO, Fábio Ulhoa. Ob.cit. P. 145.

[10] MELO, Claudinei de. Contrato de distribuição. São Paulo: Saraiva, 1987.

[11] Ob. Cit. Pág. 118.

[12] Ob. Cit. Pág. 375.

[13] Contrato de colaboração misto e atípico, onde o distribuidor se obriga a adquirir de forma contínua e sucessiva um produto para revendê-lo, em uma zona geográfica.

[14] Aspectos Modernos de Direito Comercial, p.129.

[15] Art. 32 da Lei 4.886/65 – “O representante comercial adquire o direito às comissões quando do pagamento dos pedidos ou propostas”

[16] ROPPO, Enzo. O contrato. Tradução Ana Coimbra; M. Januário C. Gomes. Coimbra: Almedina, 1947, p. 179.

[17] La funzione del diritto specialle e le trasformazioni Del diritto commerciale.  Rivista di Diritto Commerciale e Del Diritto Generale delle Obbligazioni. V.32, p.5, 1934.

[18] Como referência adotou-se os princípios contratuais trazidos pelo Projeto do Novo Código Comercial.

[19] Art. 5º, inc. II, da Constituição Federal.

[20] Contratos Empresariais: Fundamentos e Princípios dos Contratos Empresariais. Coord. Wanderley Fernandes, Editora Saraiva. São Paulo. 2007. (Série GVlaw). P.10

[21] FORGIONI, Paula Andrea. Ob.Cit. p. 87.

[22] FRRAZ Jr., Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão e dominação. 6ª Edição. – São Paulo: Atlas, 2008. Pag 76/79.

[23] GOMES, Orlando. Contratos. Op. cit., p. 185.

[24] AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado. Extinção dos contratos. In: FERNANDEZ, Wanderley. (Coord.). Contratos empresariais: fundamentos e princípios dos contratos empresariais. São Paulo: Saraiva. 2009. Série GVlaw, p. 433.

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